Disputa entre Rússia, China, Europa e Estados Unidos por influência geopolítica passa agora pelo poder de imunizar nações
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu, em entrevista exclusiva à CNN na última quarta-feira (17), que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, convoque uma reunião de emergência do G20 para discutir uma distribuição mais equânime das vacinas. A cena é improvável. A pandemia do novo coronavírus disparou uma corrida das nações pelo desenvolvimento de imunizantes – e pela influência geopolítica que decorre desse poder.
Quando a Rússia anunciou que já tinha concluído o desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19, em 8 de agosto de 2020, o recado ficou claro já no batismo do imunizante. No contexto da corrida espacial, com o mundo polarizado entre soviéticos e americanos, Sputnik V foi o nome do primeiro satélite a colocar animais em órbita.
Na batalha das vacinas, a Rússia não jogou de igual para igual. A Sputnik, embora venha se mostrando eficaz, não cumpriu todos os protocolos antes do lançamento. “A forma que eles escolheram foi bem heterodoxa”, afirma o médico e advogado sanitarista Daniel Dourado, pesquisador do Instituto de Direito e Saúde da Universidade de Paris e do Centro de Estudos e Pesquisas em Direito Sanitário da USP (Universidade de São Paulo). “Registraram a Sputnik antes de fazer a fase 3 [do desenvolvimento]. Ainda bem que tudo indica que a vacina é eficaz. Mas eles apostaram alto”, completa.
Se o lançamento foi com boa dose de marketing político, apresentando a vacina como se a Rússia estivesse assumindo uma liderança tecnológica para salvar a humanidade, a partir de então o que se viu foi o governo de Vladimir Putin fazendo do imunizante um poderoso instrumento de influência, ampliando sua ascendência sobre países “beneficiados”.
Assim, antes mesmo de priorizar sua população, foram firmados acordos com 39 países, segundo informações do fundo responsável pela comercialização do produto. Na América Latina, nove países aprovaram, até o momento, o uso da Sputnik V. Argentina, Bolívia, México, Nicarágua, Paraguai e Venezuela já estão aplicando a vacina.
“A Rússia, até com doações de vacina, está usando isso como instrumento de soft power”, analisa o cientista político Márcio Coimbra, coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília. “Eles sabem exercer [esse tipo de diplomacia] e têm feito isso com muita eficácia nos últimos tempos”, completa.
O caso russo não é isolado. China e Índia também desenvolveram seus imunizantes e despontaram como fornecedores em potencial para os países em desenvolvimento. “A tentativa de ampliar a área de influência usando biotecnologia já estava em curso antes da vacina. Com ela, ficou evidente que se trata de um espaço de acumulação do capital valiosíssimo, de influência geopolítica muito importante”, pontua Dourado.
De forma gratuita, a China já teria se comprometido a enviar cerca de 4 milhões de doses a outros países. A Índia, por outro lado, já distribuiu quase 7 milhões, possibilitando que países vizinhos como Paquistão, Nepal, Sri Lanka e Butão começassem seus programas de vacinação. FONTE CNN
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